CLÍNICA HABITAT TRAZ DISCUSSÃO JURÍDICA PARA O ÂMBITO ANIMAL

Uma notícia veiculada no dia 08 de novembro trouxe bastante alegria para os protetores dos animais. O Brasil terá a primeira delegacia especializada em proteção animal. A Polícia Civil do Distrito Federal entrou com um projeto que prevê algumas mudanças na Delegacia de Meio Ambiente. A iniciativa é uma das medidas que será adotada a partir do novo governo do estado em transição e a assessoria de imprensa da Clínica Veterinária Habitat vem trazer uma pequena reportagem que explica um pouco sobre como isso pode gerar um avanço.

De acordo com matéria publicada pelo portal de notícias Metrópoles, a Polícia Civil do DF chegou a registrar 958 boletins de ocorrência durante 2019 e 2021, sendo que o aumento foi gradativo entre os anos. A reportagem mostra imagens fortes sobre casos onde animais eram encarcerados até serem vendidos. Na maioria dos casos, a Polícia conseguiu resgatar os animais ainda com vida de canis clandestinos. No entanto, também chegaram a encontrar alguns dos mesmos mortos, em locais extremamente insalubres.

Um pouco da história dos direitos dos animais

Quando pensamos na história da defesa dos direitos dos animais, podemos trazer as primeiras organizações ligadas a esse assunto para um lugar importante na discussão. A jurista e professora Edna Cardozo Dias, uma das pioneiras na ampliação de direitos fundamentais para além da espécie humana, aborda, em uma das suas obras, que muitos dos avanços alcançados na luta dos direitos dos animais vem graças às ações e iniciativas das Associações protetoras de animais.

Como já havíamos trazido em outra discussão, a primeira entidade criada destinada a defender o bem-estar dos animais foi no Reino Unido, aproximadamente em 1824, com a SPCA (Society for the Prevention of Cruelty to Animals), existente até os dias de hoje. No entanto, de acordo com historiadores, antes disso, em 1802, já existiam restrições à caça animal praticada pela burguesia. Alguns autores acreditam que essa ação foi a pioneira na discussão dos direitos dos animais.

No entanto, essas leis, que supostamente protegiam os animais de atos de abuso e crueldades, protegiam na verdade, em seu bojo, a moralidade humana e não a integridade física do animal, como defendem alguns juristas, tais como Daniel Braga Lourenço, professor de Direito Ambiental e coordenador do Laboratório de Ética Ambiental da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Voltando ainda mais no tempo, o jurista Steven M. Wise, especialista em questões de proteção animal e professor de direitos dos animais em diversas universidades, tais como a Escola de Direito de Harvard, defende que a primeira lei relacionada a proteção dos animais estava escrita no Body of Liberties. Uma tradução possível seria ‘O Corpo das Liberdades’, primeiro código legal escrito em uma colônia da Nova Inglaterra, em 1641, pelo ministro puritano Nathaniel Ward. Em seu texto, com devida tradução, trazia os seguintes dizeres: “Nenhum homem deve exercer qualquer Tirania ou Crueldade em relação a qualquer Criatura bruta que geralmente é mantida para uso do homem”. De acordo com Wise, o texto poderia ser interpretado para qualquer tipo de animal, humano ou não. Ainda que o código tivesse sido escrito na época da escravidão e voltado para tal.

No Brasil, quando o assunto são direitos dos animais, ou direito animalista, como defendem alguns juristas, o primeiro documento jurídico que se tem notícia é datado em outubro de 1886, época em que a abolição da escravidão também vinha sendo discutida no país. O documento em questão se tratava do Código de Posturas do município de São Paulo, que trazia no seu artigo 220 o seguinte: “É proibido a todo e qualquer cocheiro, condutor de carroça, pipa d’água etc., maltratar os animais com castigos bárbaros e imoderados”, como pode ser visto na imagem abaixo, retirada do próprio documento.

Imagem de reprodução retirada do documento

Com o passar dos anos, diversos outros códigos, decretos e leis foram sendo criadas. Atualmente, o objeto jurídico mais utilizado na defesa dos direitos dos animais é a lei 9.605, sancionada em 1998, chamada Lei de Crimes Ambientais. De acordo com juristas renomados, a lei foi um marco histórico que reordenou a legislação ambiental brasileira, no que tange a infrações e punições.

Como a Comissão de Direito dos Animais da OAB-MG se posiciona com a notícia

Dayene Lages Coutinho, membro da Comissão de Direitos dos Animais da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais, nos concedeu uma entrevista onde fala um pouco mais sobre como a notícia foi recebida: “Recebemos com entusiasmo a notícia, pois esperamos que essa especializada seja fonte de inspiração para os demais estados e faça a diferença dentro da Proteção Animal”. Dayene possui vasto conhecimento jurídico, é bacharel em Direito, pós-graduada em Processo Civil, advogada da Associação Amigo de 4 Patas de Campo Belo – MG e protetora animal independente.

(Dayene Lages Coutinho, arquivo pessoal)

A primeira delegacia especializada em proteção animal é um marco e um exemplo na defesa dos direitos dos animais e no cumprimento da legislação vigente, como reforça Dayene. Como bem lembrado pela jurista, “existem delegacias especializadas que englobam a parte investigativa dos maus-tratos, mas que atuam no conjunto com outros departamentos ou que atuam como um órgão de defesa de crimes ambientais no geral”.

Entretanto, esses órgãos não atuam exclusivamente ao combate aos maus-tratos e à proteção animal. A ideia de criar uma delegacia especializada é que seja reduzida a sensação de impunidade, de acordo com a jurista, e que as pessoas passem a denunciar esses crimes sem exceções: “a ideia é que se reduza, consideravelmente, a prática dos maus-tratos sofridos pelos animais, em especial os domésticos, já que os silvestres costumam ter uma atenção melhor das autoridades, e que haja agilidade e presteza no atendimento de toda a demanda”. A reportagem do portal Metrópoles mostra como as investigações, no caso abordado em questão, foram morosas por parte da Polícia Civil e alguns animais foram à óbito. Com uma delegacia especializada, pretende-se diminuir os casos de morte de animais, devido à morosidade do processo investigativo.

Mas, afinal, o que é necessário para que outras delegacias, de outros estados, sejam abertas com a mesma especialidade? Dayene expõe seu ponto de vista relacionado à questão: “Creio que seja falta de interesse político e falta de iniciativa popular para poder cobrar. Há uma falta de políticos com viés e ações voltados à verdadeira proteção animal no estado”. No caso do Distrito Federal, ficou subentendido que o que faltava para que a delegacia especializada fosse criada, era um local físico para que ela fosse instalada. A ideia e a vontade para que ela fosse criada já existia entre os juristas e políticos. Há, também, outro fator, além do político, que pode ser decisivo para que a iniciativa aconteça em Minas Gerais: “A abertura de novas delegacias demandaria a abertura de novos certames, bem como o aumento da receita para o pagamento de efetivo, já que as demais e atuais estão deficientes em pessoal” relata Dayene.

As dificuldades são muitas e os empecilhos parecem que se empilham para que a criação de uma delegacia especializada seja efetivada. Dayene garante que não existe uma lei específica que norteie a criação de uma delegacia especializada em proteção animal: “talvez a Resolução 7.499, de 23 de janeiro de 2013, que criou a Delegacia Especializada em Investigação de Crimes contra a Fauna em BH, pode ser uma fonte”.

Além das dificuldades jurídicas, existem as dificuldades humanas. Não é difícil encontrar pessoas que vão criticar uma possível criação de uma delegacia especializada, com diversos argumentos, que, inclusive, podem não ter embasamento científico e teórico algum. Como são as discussões no meio online, por exemplo. No entanto, Dayene garante que juristas voltados ao Direito Animalista ou ao Direito Ambientalista, ou até mesmo juristas que se preocupam diretamente com o bem-estar animal, são majoritariamente favoráveis à criação da delegacia especializada. “Todavia, creio que aqueles não atuam diretamente em defesa dos direitos e do bem-estar animal, mas que construíram uma família multiespécie e, portanto, tem um vínculo afetivo com seu animal que o coloca na posição de um membro de sua família, acredito que eles também apoiam, incondicionalmente, mais este veículo de proteção animal” completa Dayene.

A discussão pode se expandir ainda mais

Ainda relacionado ao assunto, a Clínica Veterinária Habitat também participa, em conjunto com o Corpo de Bombeiros, a Polícia Civil e com a ONG IDDA (Instituto de Defesa dos Direitos dos Animais), de um projeto de conscientização de crianças nas escolas municipais na cidade de Mariana – MG. A iniciativa tem como objetivo principal o de moldar o caráter de crianças de 6 a 10 anos de idade, além de ensinar boas práticas e ética. Em parceria com as escolas, o projeto vem ganhando corpo e elogios.

Ainda que o objetivo principal da iniciativa seja a conscientização das crianças, outros objetivos podem ser atingidos de forma indireta. Através das atividades propostas, também pretende-se atingir os professores e demais funcionários interessados em ouvir as palestras. Também é pretendido atingir as famílias das crianças, por meio das mesmas, depois de repassar o que foi aprendido na escola. Inclusive familiares, amigos e pessoas próximas dos próprios palestrantes.

O projeto, que visa principalmente conscientizar sobre maus-tratos aos animais, também tem como objetivo indireto proporcionar a diminuição da população dos animais de rua nos municípios, promovendo ações como eventos de adoção. Informar sobre iniciativas que auxiliam famílias de baixa renda a oferecerem serviços médicos veterinários a seus animais de estimação. Busca-se, também, melhorar o entendimento, o controle e a diminuição de zoonoses relacionadas principalmente a cães e gatos.

Voltando para a discussão jurídica

Como visto acima, são diversas as áreas do estudo que podemos encontrar pessoas que estão engajadas com a luta em defesa dos direitos animais. E o papel de muitas organizações da sociedade civil também segue sendo de extrema valia na causa. Já comprovado por outros estudos, como na área da neurociência, a empatia é algo presente em todo ser humano. E quando o assunto é direitos dos animais, é importante que a pessoa seja empática e tome as dores.

Na área jurídica, a história prova que o homem desenvolveu a habilidade para reconhecer os direitos dos animais aos poucos. Não foi algo aprovado pela maioria da população, como ainda podemos encontrar indivíduos contrários, por diferentes questões, que não valem este espaço para serem discutidas. Mesmo assim, a sociedade vem tratando os direitos dos animais com mais naturalidade e inteligência. Com essa ideia em mente, existe a possibilidade da conscientização de grande parte da população em relação a promover o bem-estar animal.